quinta-feira, 22 de maio de 2008

Atuação e personalidade


Leia e reflita.





Digamos
que você participe de um grupo de teatro. Você e seu grupo decidem fazer uma brincadeira, que consiste em durante o período de uma semana interpretar uma personagem no seu dia-a-dia para ver as reações das pessoas às personagens criadas, bem como treinar suas capacidades de atuação, afinal, não haveria treino melhor do que na própria realidade, enganando as pessoas no dia-a-dia. A interpretação tem ínicio, e vai muito bem, a cada dia você adquiri cada vez mais facilidade para agir como o personagem fazendo-o de forma cada vez mais automática, sem ser tanto você mesmo ao ter alguma falha na atuação. No terceiro dia de atuação, você, ou talvez seja melhor dizer, o personagem que você interpreta, conhece uma menina enquanto anda de ônibus e acaba por gostar realmente dela e ela de você. Vocês trocam números de telefone e passam a se encontrar ao longo da semana. Porém, você fica inseguro de perder sua afeição ao admitir que aquele que ela conheceu é na verdade uma personagem, uma interpretação sua, e que na realidade sua verdadeira personalidade, gostos, e maneirismos são no entanto significativamente diferentes, seu temor no entanto não reside na mentira, mas sente-se angustiado pois sabe que ela se apaixonou por um personagem e não por aquilo que você costuma ser. Você termina por seguir com a farsa. Um tempo depois ela acaba por descobrir, por meio de um amigo que você mentiu o tempo todo e termina com você, você tenta convencê-la a voltar atrás e revela-lhe sua personalidade verdadeira, porém ela não só não sente qualquer atração por ela, como também não estaria de qualquer forma disposta a perdoá-lo pelo que você fez.

- As questões que quero tratar com essa estórinha inventada são:

. Seria o personagem que você interpretou durante todo esse tempo e que ganhou o amor da menina, você?

. Por que a menina se irritaria também com a questão da mentira?

. Pressupomos que aquilo que você interpretou seja de certa forma você, ao menos você utilizou de conhecimentos que dispunha para promover tal atuação, então não seria por você que a menina se apaixonou?

. Há grande diferença entre aquilo que você é e aquilo que você conhece, sabe e usa para promover uma interpretação?

. E se o personagem for interpretado durante tanto tempo que chegue a se tornar um comportamento praticamente automático, uma vez que é executado inumeras vezes, então passaria a ser "natural" do sujeito?
Conclusão:

Obviamente o proposto experimento mental não apresenta uma resposta única e totalmente objetiva, porém serve para exercitar o raciocinio e nos mostrar certas verdades a que estamos habituados e que muitas vezes negamos ou nos passam simplesmente desapercebidas.
Não é verdade que nós no nosso dia-a-dia interpretamos papéis? Fingimos ser educados quando não temos vontade por que isso nos é incentivado, quando não obviamente imposto sobre nós e que ocorre devido à diversas normas sociais...O marido por exemplo diz para a esposa que a calça Jeans que ela usa cabe-lhe perfeitamente no corpo, enquanto na verdade ela esta acima do peso ou dizemos que a comida da sogra esta saborosa quando de fato não sentimos que esteja. Com o caso da atuação é diferente, mas não tanto quanto imaginamos, de fato se observarmos perceberemos o quão artificiais seriam muitos de nossos comportamentos, sendo que por mais estranho que seja é muito do que nos define como seres humanos. Quantas vezes não executamos ações que a príncipio não nos eram naturais, e nem consideradas comuns e com o tempo depois de certo treino tornaram-se automáticas e tomadas por nós como verdades. Já vi muitas crianças se questionarem quanto a certas crenças ou sentido de certos acontecimentos, como por exemplo, a existência de Deus, por que as crianças não devem fumar sendo que muitas vezes seus próprios pais fumam, ou por que tem que ir pra escola desde pequenas. Geralmente elas receberam uma brilhante resposta de seus pais que serve para responder à todas as questões: "Porque sim". Será mesmo que isso é uma boa resposta? O que eu sei é que de fato evita ser encomodado e dá um fim na conversa!

2 comentários:

Psicólogo Cláudio Drews disse...

Vou dar a minha resposta às questões levantadas com o teu experimento mental...

1. Seria o personagem que você interpretou durante todo esse tempo e que ganhou o amor da menina, você?
Bom, sem dúvida o personagem seria produto daquilo que você conhece, daquilo que você tem dentro de si, do que você é capaz, enfim, o personagem é uma forma organizada de manifestação de alguns aspectos teus. É possível dizer que interpretamos, ao longo do dia, diversos personagens a medida que manifestamos um comportamento que julgamos ser adequado para cada situação em que nos encontramos. Tais personagens podem envolver mudanças significativas na linguagem, nas expressões faciais, gestos corporais, vestimenta, etc. Isso é adequação comportamental. Por exemplo, um homem solteiro pode acordar de manhã, andar sozinho de cueca pela casa, coçando o saco, arrotando alto; até tomar um banho, se vestir, ir para a faculdade, exibir uma linguagem formal e científica em uma palestra; sair da faculdade, ir tomar uma cerveja com os amigos, falando de maneira bem mais informal ou até mesmo grosseira; encontrar-se com a namorada, usar uma linguagem afetiva; voltar em casa, vestir uma roupa mais formal e apresentar-se perante uma autoridade legal, com uma linguagem mais respeitosa. Tudo isso segundo o que é esperado dele em cada situação, e considerado aceitável (afinal, é aceitável andar de cueca em casa quando se está sozinho, desde que seja discreto e não ofenda os vizinhos).
O que vimos foi uma mesma pessoa interpretando 5 papéis diferentes. Todos eles são esta pessoa, e ao mesmo tempo todos eles não são. Qual seria o mais real? Ele acordando de manhã? Ele conversando besteira com os amigos? Ele sendo completamente formal perante uma autoridade? Poderia-se argumentar que aquele que envolve menos esforço, que lhe é mais natural, é o seu "eu" mais real, mas todos eles fazem parte do que ele é.

2. Por que a menina se irritaria, também, com a questão da mentira?
E por que não? (:
Bom, primeiro existe a pressuposição de que houve uma mentira. Dependendo de como se encara o personagem, poderia se dizer que o que houve foi uma omissão parcial da verdade. Acredito que ela se irritaria pois existe a crença comum (do senso comum) de que as pessoas para serem verdadeiras precisam agir de forma "natural" em seus relacionamentos. Ainda que todos concordem que, por exemplo, num relacionamento amoroso não se deva ser natural ao ponto de arrotar na cara da pessoa amada. Logo, a tal "naturalidade" não tem nada de natural. As pessoas agem conforme acreditam que irão atingir seus objetivos. Ainda que ajam de forma inadequada para uma situação, por exemplo apresentando-se com uma roupa informal em uma situação/ambiente que exige uma roupa formal, tal pessoa não estaria fazendo nada a mais do que estar tentando atingir o objetivo de fazer uma declaração de sua inconformidade e/ou discordância. Muitas vezes nós humanos erramos crassamente com relação àquilo que esperamos conseguir com nosso comportamento e aquilo que realmente iremos conseguir com tal comportamento. Se a atuação, ou o personagem, ganhou o coração da menina, significa que o comportamento manifesto na situação foi adequado para este objetivo. Porém, aqui vale dizer, também, que se o interesse do cara do experimento mental, era grande e sincero pela menina, ele deveria ter abandonado a interpretação do personagem ao abordá-la, ou então deveria por ela a par da situação tão logo fosse possível. Novamente, entra aqui a omissão parcial da verdade que, dependendo da extensão, torna-se ofensiva.

3. Pressupomos que aquilo que você interpretou seja de certa forma você, ao menos você utilizou de conhecimentos que dispunha para promover tal atuação, então não seria por você que a menina se apaixonou?
Ver no.1. A menina se apaixonou por uma série de aspectos manifestos voluntariamente da tua personalidade naquele momento. Voluntariamente no sentido de que não eram espasmos aleatórios, ou seja, voluntário como todo comportamento consciente. Uma pergunta que caberia aqui seria: quem, num relacionamento harmonioso, não está interpretando um personagem, até certa medida?

4. Há grande diferença entre aquilo que você é e aquilo que você conhece, sabe e usa para promover uma interpretação?
Segundo a lógica, uma coisa é a soma total de suas partes, atributos, propriedades. A eliminação de qualquer um destes aspectos implica em uma modificação na coisa, assim como a adição.
A coisa deixa de ser o que é com a adição ou subtração a muitos destes aspectos, mas tal transformação depende da medida de quem a julga.
Contudo, no caso de uma interpretação, nada é subtraído (no máximo suprimido, como nos comportamentos sociais adaptativos) e aquilo que é acrescentado (por meio de estudo, por exemplo, para a construção do personagem) é incorporado. No momento em que a menina conhecesse o fulano, ele já seria o que é, tendo incorporado o que quer que fosse para a construção do personagem.
Você é aquilo que você conhece, sabe e usa, e a tua interpretação será nos limites destes mesmos aspectos. Logo, a interpretação é parte do que você é, está contida no teu conjunto do real. Ao interpretar um francês, você não irá sair falando francês se não souber falar francês.

5. E se o personagem for interpretado durante tanto tempo que chegue a se tornar um comportamento praticamente automático, uma vez que é executado inúmeras vezes, então passaria a ser "natural" do sujeito?
Ver no. 2. Depende do que se considera natural. Estamos sempre atuando, na medida que sempre agimos conforme nossos objetivos. Mesmo quando agimos relaxadamente, agimos com base na crença de que podemos agir assim e que agir assim é bom.

Minha conclusão é de que este experimento mental é muito bom, mais do que explorar aquilo que pensamos ser personalidade, também é uma excelente abordagem aos relacionamentos pessoais. Talvez ele seja um indicativo de que o sucesso de um relacionamento depende da capacidade das partes lidarem com e aceitarem as diferentes formas de comportamento que cada uma pode manifestar em cada situação.

Taimon disse...

É isso ai :) Não existem respostas totalmente objetivas pras questões, mas segue meu raciocínio.
Um ponto importante em relação ao comportamento nesse caso é o contexto mesmo, a situação que o desencadeia ou que faz com que o indivíduo opte por ele. Já conversamos bastante disso antes, uma pessoa brincalhona pode precisar se comportar de forma bastanete séria, ou pode variar diversos comportamentos vezes ao longo o dia.

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