terça-feira, 14 de setembro de 2010

Caso 1 - Decisão sobre aborto

SIMULAÇÃO DE ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO

Janaina chegou ao consultório para tomar a decisão de realizar ou não um aborto. O psicólogo que realiza o aconselhamento é do sexo masculino e seu referencial é a teoria psicodinâmica. Ele reconhece que há geralmente uma questão ética envolvida na decisão de um aborto, mas a paciente, porém, não aparentou relevar tal questão. Tornou-se necessário, portanto, que o profissional introduzisse o assunto, não por fazerem parte de seus valores pessoais, mas para realmente constatar se a paciente não estava isolando o afeto em relação a tal decisão, o que poderia levá-la a sentir-se culpada posteriormente.
A paciente parecia muito despreocupada para quem esta quase tomando a decisão sobre um aborto. O psicólogo percebe é que Janaina já chega com uma decisão praticamente tomada e insiste e sutilmente induz o profissional a dar sua aprovação pessoal, de modo a permitir tal decisão. Ao longo da sessão fica claro que Janaina é uma pessoa emocionalmente instável e que teme intensamente a rejeição.
Depois de alguns minutos de conversa sobre a paciente e sua tomada de decisão a respeito do aborto, chegou-se ao momento da consulta em que o terapeuta consegue “romper com as defesas” da paciente (ver abaixo). Percebendo que a paciente se encontra em dúvida, o terapeuta utiliza-se de uma estratégia predominantemente interpretativa, para que ela repense a decisão do aborto. Como a paciente respondeu bem ao uso dessa abordagem, o terapeuta não necessitou utilizar de “persuasão” de forma diretiva.

JANAINA: Na verdade o aborto ficou marcado pra depois de amanhã...
JANAINA: Mal posso esperar para adiar a gravidez por um tempo... Daqui há umas semanas começo cursinho. Vou tentar facul de Administração.
TERAPEUTA: É interessante que você tenha usado a expressão “adiar”. Você disse “adiar por um tempo”...
JANAINA: Humm... (segue-se um período de silêncio; a paciente fica com uma expressão séria)
JANAINA: Você acha que isso significa alguma coisa?
JANAINA: (A paciente segue em silêncio).
TERAPEUTA: Janaina, adiar significa “deixar para depois”. Sim, você poderia adiar uma gravidez se partissemos do pressuposto de que você estivesse planejando engravidar. Mas você acha que abortar uma gravidez significa “adiar por um tempo”?
JANAINA: Você acha que significa mais alguma coisa?
TERAPEUTA: Na verdade é uma decisão importante que você esta refletindo. O que você acha que isso significa?
JANAINA: Não sei... Na verdade, acho que não.
JANAINA: Eu não sei, você esta me deixando confusa.
JANAINA: Se eu não fizer isso vou atrasar minha vida, vou perder o Cesar, meu namorado, eu não sei se ele aceitaria.
TERAPEUTA: Humm, são questões importantes a serem avaliadas. Então, uma das razões pela qual você reflete a possibilidade de um aborto é seu namorado...
TERAPEUTA: Me fale um pouco sobre ele, seu namorado. Vocês já conversaram sobre isso?
JANAINA: Hummm... não...
JANAINA: Mas estou com medo...
TERAPEUTA: De falar com ele a respeito?
JANAINA: Eu não sei se ele aceitaria... Ele tem tantos planos. E um filho agora, eu fico com medo de que ele possa se irritar e achar que eu planejei isso sabe...
JANAINA: Meu pai, que na verdade era meu padrasto, já que eu não conheci meu pai biológico, teve essa reação com minha mãe quando ela engravidou pela segunda vez...
TERAPEUTA: E ela realizou o aborto?
JANAINA: Sim.
TERAPEUTA: Como exatamente você acha que seu namorado poderia reagir?
JANAINA: Eu realmente não sei.
TERAPEUTA: Seu namorado já se mostrou intolerante com você em alguma ocasião?
JANAINA: Na verdade, ele é bastante tolerante... Ele nunca me levantou a voz...
TERAPEUTA: Você disse que ele tem muitos planos para o futuro. E pelo que me disse ainda não haviam discutido sobre gravidez. Apesar disso você estão juntos a bastante tempo, como um casal... E você sempre fala sobre a opinião dele... mas pelo que você me disse, não sabemos exatamente qual é essa opinião...
TERAPEUTA: Você acha que ele gostaria de participar dessa decisão?
JANAINA: Eu não sei. Ele sempre me ouviu muito...
JANAINA: É, acho que to errando em fazer isso sem ele saber... o filho também é dele... Eu antes sempre pensava que era errado abortar... Quando a mãe me falava que fez isso por causa do meu pai, me dava enjoo sabe...
JANAINA: Me sinto aliviada de ter conversado disso com você... Mas o que você acha que eu deva fazer agora?
TERAPEUTA: O único meio de saber a reação de seu namorado e o que ele pensa sobre essa decisão, seria contando a ele sobre a gravidez. O que você pensa sobre o que estou dizendo?
JANAINA: Não sei, tenho medo sabe. Talvez se eu te... (paciente interrompe sua sua fala)
TERAPEUTA: Você se refere a fazer uma tentativa de contar a ele?
JANAINA: Talvez eu devesse.
JANAINA: Por que você acha que eu to excluindo ele?
JANAINA: Eu devo ter sido mesmo uma pessoa horrível.
TERAPEUTA: Não acho que você seja uma pessoa horrível.
JANAINA: Mas porque eu fui por esse rumo?
TERAPEUTA: Conversamos muito pouco para que possamos ter absoluta certeza. Mas pelo que você me disse, o aborto de sua mãe a abalou bastante.
JANAINA: Uhum...
TERAPEUTA: Essa situação pode, ao menos em parte, explicar alguns de seus sentimentos sobre a gravidez e sobre seu namorado.
TERAPEUTA: Você percebe uma relação entre esses dois eventos: entre o aborto de sua mãe e a sua intenção de realizar um aborto?
JANAINA: Na verdade eu nunca tinha visto por esse lado... mas faz sentido sim. Eu andei sonhando muito com isso, com o aborto da mãe e lembrando muito daquilo.
TERAPEUTA: Talvez no fundo, haja uma impressão de que o Cesar, seu namorado, poderia reagir como seu pai reagiu com sua mãe. Nesse caso, fazer um aborto seria uma forma de realizar a suposta vontade dele sem que ele se quer demonstrasse raiva com você... É como se você estivesse antecipando o que inicialmente pensou que seria a reação dele.
TERAPEUTA: Isso faz algum sentido pra você?
JANAINA: Isso me assusta um pouco. Lembro muito do meu pai fazendo isso com a mãe... (paciente faz leve expressão de choro).
JANAINA: Acho que errei em não contar pra ele, to me sentindo péssima.
JANAINA: Mas você também é homem. Seja sincero. Você acha que ele (Cesar) também vai me forçar?
TERAPEUTA: As pessoas são diferentes Janaina. Seu namorado pode não ter necessariamente a mesma opinião que seu pai. Como eu disse, só há um meio de descobrir.
JANAINA: Sim, então eu vou contar pra ele.
TERAPEUTA: Então, sobre a cirurgia (aborto) que esta marcada... (nesse momento o terapeuta é interrompido por Janaina)
JANAINA: Já decidi, vou cancelar! (fala em tom elevado)
TERAPEUTA: Você se sente capaz de conversar a respeito disso com seu namorado?
JANAINA: Acho que posso tentar.
TERAPEUTA: Uhum. Façamos assim. Como você disse, desmarque o procedimento e tente conversar com ele e marcaremos uma consulta para conversarmos sobre o que aconteceu. Esta bem assim pra você?
JANAINA: Sim. Me deseje sorte...

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